Cheguemos com Ousadia - João Calvino
Aproximemo-nos, portanto, com ousadia – (Hb 4.16). O autor conclui que o caminho se acha aberto para Deus, a todos os que confiam na mediação de Cristo e que vêm a ele. Aliás, ele encoraja aqueles que crêem a ter ousadia de apresentar-se diante da face de Deus sem a menor hesitação. Esse é um saliente fruto do ensino espiritual, ou seja: a inabalável confiança de invocar a Deus, assim como, em contrapartida, toda a religião cai e perece quando esta certeza é apagada das consciências.

Desse fato facilmente se deduz que a luz do evangelho se acha extinta do papado, onde pessoas em sua miséria são impelidas a alimentar dúvidas se Deus é propício ou hostil para com elas. Ensinam que Deus deve ser buscado, porém não indicam o caminho pelo qual se faz possível chegar a Deus, enquanto que a única porta pela qual se pode entrar se acha trancada. Em teoria admitem que Cristo é o Mediador, mas na prática destroem o poder de seu sacerdócio e o privam de sua honra. 


 Este princípio deve ser estabelecido: que Cristo não poderá ser realmente conhecido como Mediador, a menos que se remova toda e qualquer dúvida se os homens podem ou não aproximar-se de Deus. De outra forma, a conclusão derivada daqui não valerá coisa alguma, isto é, que temos um Sumo Sacerdote que está desejoso de socorrer, e por isso podemos chegar ante o trono de Deus ousadamente e sem qualquer hesitação. E se realmente estivéssemos plenamente persuadidos de que Cristo amorosamente nos estende sua mão, quem não se aproximaria plenamente confiante? O que já afirmei, portanto, procede, ou seja: que o poder é eliminado do sacerdócio de Cristo sempre que os homens hesitam e ansiosamente buscam outros mediadores, como se o de Cristo não fosse suficiente, em cuja proteção todos os que realmente confiam, conforme o apóstolo tem afirmado, sabem com certeza que suas orações são ouvidas.

A base de tal confiança consiste em que o trono de Deus não é caracterizado por uma majestade visível a assustar-nos, mas se acha adornada com um novo nome, ou seja: graça. Esse é o nome que devemos sempre ter em mente quando nos esquivamos dos olhos de Deus. Se volvermos nossa mente só para a glória de Deus, o efeito que ela produzirá em nós não será outro senão encher-nos de desespero, tal é a sublimidade de seu trono. Portanto, com o fim de auxiliar-nos em nossa carência de confiança, e com o fim de livrar nossas mentes de todos os temores, o apóstolo no-la reveste com a graça e lhe dá um nome que nos encha de coragem por sua doçura. E como se dissesse: Visto que Deus fixou em seu trono como que, por assim dizer, uma bandeira de graça e de amor paternal para conosco, não há razão por que sua majestade nos afugente de sua aproximação.

A súmula de tudo isso consiste em que podemos seguramente invocar a Deus, visto que sabemos muito bem que ele nos é propício. Isso se dá em virtude da misericórdia de Cristo, como nos é afirmado em Efésios 3.12, porque quando Cristo nos aceita em sua fé e discipulado, também nos cobre, com sua benevolência, a majestade de Deus, a qual, de outra forma, poderia ser fatal, de modo que nada apareça senão pela graça e beneplácito paternal.

A fim de recebermos misericórdia e acharmos graça.
Essa cláusula é adicionada por uma importante razão, a sa­ber: para especificamente confirmar aqueles que são carentes de misericórdia, no caso de alguém que sinta que sucumbe sob o senso de sua própria aflição e que seu caminho é obstruído por sua própria falta de fé. Esta frase - afim de recebermos misericórdia - contém a mais preciosa doutrina, ou seja: que todos aqueles que confiam na defesa de Cristo e oram a Deus haverão com certeza de receber graça e misericórdia. Por implicação, o apóstolo também adverte a todos quantos não caminham por esta vereda, e indica que Deus não se moverá por suas orações, porquanto desconsideram a única via de reconciliação com ele.

Ele adiciona: para socorro em tempo oportuno, ou seja: se queremos obter o que nos é necessário para nossa salvação. Esse tempo oportuno se refere ao tempo de nossa vocação, segundo a passagem de Isaías [49.8], a qual Paulo aplica à pregação do evangelho [2 Co 6.2]: "Eis agora o tempo sobremodo oportuno..." O apóstolo refere-se àquele dia em que Deus fala conosco. Se Deus nos fala hoje, e prorrogamos nosso ouvir para amanhã, a morte nos visitará à noite, quando o que nos é possível agora não nos será mais possível, e debalde bateremos em uma porta fechada.
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