Pluralismo e intolerância
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A palavra pluralismo representa muitas coisas no contexto pós-moderno. Pode significar apenas diversidade de opiniões ou coexistência lado a lado de posições antagônicas. No entanto, com frequência ela expressa tanto um desprezo pela existência de uma verdade absoluta como a rejeição de posições absolutas. No seu aspecto mais cruel ela indica uma falsa visão de tolerância, que se revela intolerante para com a fé cristã.

A origem do termo pluralismo é geralmente colocada no início do século 20, criado por um filósofo judeu, Horace Kallen (1882-1974), que tinha bastante orgulho de sua linhagem judaica.[1]

Preocupado com a preservação de suas convicções e com as pressões sofridas por imigrantes, ele levantou a questão da sobrevivência de uma cultura minoritária, no meio de muitas outras, como sendo um fator positivo ao progresso do mundo.


Ao longo dos anos e, principalmente, ao entrarmos no final do século 20 e início deste século, o pluralismo foi se abrigando no pós modernismo, aventando a possibilidade de verdades contraditórias entre si coexistirem pacificamente. Isso significa que proponentes de alguma convicção não deveriam tentar impor a sua visão sobre as demais persuasões, ou pessoas. Nesse sentido pós-moderno, o pluralismo representa um descaso pela existência de uma verdade, pois princípios ou preceitos absolutos não poderiam existir, ou não deveriam ser asseverados ou defendidos por ninguém.


Na realidade o termo tem várias definições e aplicações, por exemplo: pluralismo político, pluralismo filosófico, pluralismo cultural, pluralismo científico, etc. Em cada um desses aspectos o significado é diferente e, como cristãos, temos que nos posicionar adequadamente, mas igualmente de forma diferente a essas vertentes.


Pós modernismo


O pós-modernismo tem sido definido, por vezes como a filosofia da nossa era, mas na realidade não é uma filosofia, em si (e nem uma teologia). O termo representa uma persuasão que questiona as definições e limites que considera simplista, nas proposições da era moderna.[2] É mais um tipo de atitude, encontrada nas mais diversas correntes de pensamento contemporâneo, que, ressaltando a complexidade das diferentes posições filosóficas ou teológicas, se esquiva de permitir que um conjunto de convicções prevaleça sobre outros.


Nesse sentido, uma mente pós-moderna, é representada por:


  • Aquela pessoa que, como o rei Agripa (Atos 26.28), diz: "por pouco me persuades...", mas, adicionaria a isso: “como verdades conflitantes podem coexistir pacificamente lado-a-lado, fico na minha e você na sua”.
  • Aquela pessoa que tem a consciência cauterizada pela convivência continuada com o erro e pela prolongada falta de ênfase em absolutos e em verdades universais.

  • Aquela pessoa que tem a sensibilidade distorcida pela freqüente exposição à pecaminosidade da era e já não se choca mais com descalabro algum, por maior que seja o pecado apresentado, mas aceita tudo como parte de uma sociedade pluralista e multiforme. Essa sociedade é encarada por tais mentes como não apenas uma realidade inexorável, mas uma forma desejável de existência.


Como cristãos, deveríamos constatar como essa rejeição à persuasão vai contra a obrigação à conversão, à mudança de vida. Como a acomodação ao erro, vai contra a santidade requerida do servo de Deus. E como a repetida acomodação leva à perda dos objetivos de vida e da glorificação a Deus, que é o propósito máximo da nossa existência. É nesse contexto de um mundo carente por convicções, que somos chamados a entender o pluralismo e a sermos persistentes proclamadores das verdades de Deus!

Pluralismo religioso


O pluralismo religioso é a posição que afirma a igualdade e propriedade de todas as religiões. Nenhuma religião poderia se posicionar como sendo a verdadeira e, assim, todas devem ser não somente estudadas, mas aceitas como legítimas expressões de fé. A sinceridade dos participantes é o que contaria e cada um definiria Deus ou a divindade a seu próprio modo.

Esse tipo de pluralismo é mortal para a alma e não deveria encontrar abrigo no pensamento do cristão. Afinal, Jesus declarou (João 14.6) que ele é “o caminho a verdade e a vida; ninguém vem ao pai senão por mim”. A religião cristã é exclusivista, por natureza e isso deve ser apresentado e defendido sem apologias.

No entanto, o mundo subsiste em pluralismo religioso e, surpreendentemente, essa aceitação de um pluralismo religioso não está presente somente naqueles que identificamos como descrentes. Há muitos anos, havia uma expressão na boca do povo: “todo caminho dá na venda”. Normalmente era utilizada quando alguém começava a falar em religião e significava que, independentemente da sua fé, um dia você chegaria a Deus. Era também uma forma de evitar tentativas de pregação da Palavra.

O fato é que muitos cristãos têm sido persuadidos não pela Escritura, mas por essa visão pós moderna. Muitos, em nossas igrejas, acham que Deus terá de honrar a sinceridade de uma tribo remota, por exemplo, e que Ele não será justo em condenar índios às penas eternas, pois haverá “alguma luz” na religião pagã praticada por eles. E existem posições ainda mais pluralistas. Por exemplo, um site, chamado “Centro para o cristianismo progressivo”, apresenta as seguintes idéias:[3]


  • Presumir que a Bíblia é a última palavra em matéria de religião não fará nenhum sentido aos seguidores de outras religiões. Afinal, todas possuem os seus textos sagrados e proclamam possuir a verdade.

  • Insistir na exclusividade da fé cristã é “chauvinismo religioso”.

  • Os trechos bíblicos do evangelho de João, nos quais Jesus se coloca como “Eu sou” o único caminho, são meras expressões poéticas. Jesus era um místico e ele está apenas expressando uma experiência mística, na qual ele se liberta do seu ego e de sua personalidade, experimentando a Deus, como única realidade.


Não é isso que a Bíblia ensina. Mais uma vez, João 11.25-26 traz as palavras de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá, eternamente. Crês isso”? Cristo demanda uma tomada de posição da parte das pessoas. È por isso que é correta a pregação do evangelho; a persuasão (Paulo “arrazoava” e “persuadia” a seus ouvintes: Atos 17.2 e 4); a conclamação ao arrependimento (Atos 17.30); é tarefa de todo cristão. É por isso que enviamos missionários, preparamos pregadores, evangelizamos em nossas igrejas; e consideramos necessitados da salvação aqueles que colocam suas esperanças e fé em imagens, em pessoas, em amuletos, em animais, em astros e em tantas outras coisas e situações, como nos avisa Romanos 1.18-32. Quando o crente defende a verdade da Bíblia, a verdade de Deus, ele não está sendo intolerante, mas simplesmente honesto e fiel à verdade, e deve fazer isso com a melhor das intenções, desejando esclarecer e não enganar as pessoas.

Pluralismo cultural


O pluralismo cultural é a coexistência, em uma sociedade, ou nas diversas sociedades da humanidade, de variações diferentes da cultura – algumas apresentando diferenças marcantes, por vezes presente em minorias. Numa sociedade pluralista essa coexistência ocorre com um mínimo de conflitos, e com razoável tolerância, uns pelos outros. Foi nesse sentido que Horace Kallen cunhou o termo pluralismo.[4]

O pluralismo cultural, em um certo sentido, não é antagônico ao ensino cristão A Bíblia ensina verdade absoluta e proclama exclusividade de orientação religiosa. Mas isso não quer dizer que não existe verdade, ou algo a ser apreciado fora da Bíblia. Afinal, o mundo é de Deus (Salmo 24.1 e 2). A teologia da reforma tem sempre ensinado que toda verdade, é verdade de Deus. Existem, na variedade das culturas, muitas coisas de mérito a serem apreciadas e preservadas. Por exemplo, o dito de Confúcio: “não façais aos outros, o que não quereis que eles vos façam”, é certamente verdade e análogo ao ensinamento bíblico de Lucas 6.31 (apesar de podermos verificar com facilidade a superioridade do ensinamento bíblico – que enfatiza o aspecto positivo de “ir e fazer”, em vez do aspecto negativo, do “não fazer”).

No entanto, a apreciação cultural do cristão nunca poderá ser acrítica (sem confrontá-la com o que a Bíblia diz, com os ensinamentos de Deus). Paulo, escrevendo a Tito (1.10-16), diz que ele tem que se colocar contra a cultura de Creta, ou seja, ele não podia pacificamente aceitar o pluralismo cultural, nos pontos onde ele entraria em contradição com princípios e ensinamentos da Escritura. Semelhantemente, nós brasileiros, não podemos aceitar o “jeitinho” como uma expressão cultural legítima, pois via de regra, esse “jeitinho” não quer dizer apenas flexibilidade ou adaptabilidade, mas ele representa quebra de valores, princípios ou regras, para se atingir um fim.

Mas a Bíblia nos ensina a amar os nossos inimigos, e até os que nos perseguem (Mateus 5.43-47). O cristianismo pode, portanto, certamente coexistir com outras culturas, mas sempre identificará os aspectos culturais que devem ser reprovados ou corrigidos, de acordo com os absolutos de Deus (como Paulo fez, ao alertar a Tito, sobre os aspectos culturais que deveriam ser combatidos e corrigidos, em Creta).

Pluralismo filosófico


O pluralismo filosófico é irmão gêmeo do pluralismo religioso e, portanto, eivado de perigos. Rudolf Carnap (1891-1970) filósofo alemão, naturalizado norte-americano, em um ensaio, chamado Princípios de Tolerância, no qual firmava os alicerces do pluralismo lógico, escreveu: “Na lógica, não existe moral. Cada um tem a liberdade de construir a sua própria lógica”.[5] Note a apresentação de que não existe uma posição lógica, mas muitas. Não existem absolutos; consequentemente, não existe verdade universal – o que é verdade para mim, não é verdade para você. Aliás, uma expressão bem contemporânea, é “a minha verdade, não é a sua verdade”. Verifique, também, que tudo isso é abraçado em nome da tolerância.

Veja, também, o entrelaçamento do pluralismo filosófico com o pluralismo religioso. Em 11 de março de 2003, o famoso entrevistador de “talk show”, Larry King (da rede CNN), recebeu alguns teólogos, filósofos e personalidades, exatamente para explorar a convivência plural com pessoas de persuasões diferentes. Um dos entrevistados foi o pastor John MacArthur. Larry King defendia a cosmovisão dos muçulmanos, como sendo igualmente lógica, coerente e legítima. A bandeira da tolerância é, mais uma vez, brandida, para que não haja essa situação incômoda e politicamente incorreta da conversão. Note, nesse trecho da entrevista, como John MacArthur responde a ele, com sabedoria, sem comprometer um milímetro das verdades cristãs:[6]

  • KING (falando de uma personalidade muçulmana): Ele ora cinco vezes por dia. Ele acha que isso está certo. Ele deve estar orando a algo (ou alguém)...

  • MACARTHUR: Bom, infelizmente ele ora ao Deus errado. Existe apenas um único Deus vivo e verdadeiro, e esse é o Deus da Escritura. O Deus Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo. E se você não ora a esse Deus, você ora a ninguém.

  • KING: Mas ele não crê nisso. Como você lida com isso? A crença dele é tão forte quanto a sua.
    MACARTHUR: Você pode crer que pode voar e pular de um prédio de cinco andares. Mas isso não torna a sua crença em realidade. Infelizmente, a religiosidade falsa, é a mentira fatal…

  • KING: O mundo dos muçulmanos é todo falso?
    MACARTHUR: Bem, a teologia do islamismo é falsa. O deus é o deus errado. A visão que têm de Cristo é falsa.


Devemos pedir a Deus sabedoria semelhante para responder a esse tipo comum de questionamento (Tiago 1.4-8).

Grande parte dos articulistas da mídia é filosoficamente pluralista. Sempre proclamam tolerância e indicam que as posições individuais não devem ser questionadas. No entanto, observa-se um fenômeno muito interessante com relação ao cristianismo, mas que não deveria nos surpreender. Eles se ofendem muito com a proclamação da fé cristã. Paulo já nos alertava disso em 1 Coríntios 2.14-16. Assim, as “coisas espirituais”, as “coisas do Espírito de Deus” são consideradas “loucura”. Eles não têm, nem podem ter “a mente de Cristo”, sem a conversão. Por isso, enquanto proclamam tolerância, são tão intolerantes.

Não é raro vermos, nas revistas, ataques aos evangélicos ou textos que colocam os crentes em uma posição ridícula. Por exemplo, um ensaio do jornalista Roberto Pompeu de Toledo, há alguns anos, fez troça dos que oram e lêem as Escrituras todos os dias e têm “Jesus sempre no coração” e ridicularizou a fé, os candidatos evangélicos e as expressões de fé pessoal, na campanha política.[7] Os tolerantes, se apresentam nessas questões totalmente intolerantes. O pluralismo só é válido para conservar a fé cristã fora do dia a dia das pessoas.

Em outra controvérsia, o jornalista André Petry, conhecido por seus textos beligerantes contra os evangélicos, ridicularizou o ensino do criacionismo, como visão alternativa ao evolucionismo, coerente com a fé cristã, por escolas cristãs.[8] Muitas vezes, todos os evangélicos são colocados em uma vala comum com seitas neo-pentecostais, as quais, com suas práticas místicas, supersticiosas e materialistas, proclamam, na realidade um outro evangelho, estranho à Palavra de Deus.[9]

Conclusão


O pluralismo traz várias ameaças à fé cristã, especialmente em duas situações: primeiro, quando cristãos absorvem o pluralismo religioso e perdem a identidade de sua fé, o cerne de sua mensagem, a razão de sua existência. Falando a pluralistas religiosos como os de hoje, que queriam introduzir doutrinas estranhas e negar a ressurreição de Cristo, em 1 Coríntios 15, Paulo raciocina em cima das premissas deles, demonstra que são fundamentos falsos e diz, que se o que ensinam é verdade, “somos os mais infelizes de todos os homens”(14, 17, 19), é vazia nossa pregação, é vazia nossa fé. Segundo, quando os pluralistas e supostos “tolerantes”, se mostram violentos, injustos e totalmente intolerantes para com a verdade que incomoda e fere (mas que redime). Devemos orar a Deus para que nos livre de ambas as situações.

No entanto, o próprio pluralismo pode oferecer oportunidades para a apresentação do evangelho. Aperte os pluralistas dentro de suas próprias premissas. Uma dos conceitos que mais prezam é quanto a existência do “contraditório” – dentro da noção de que as múltiplas vertentes é que construirão o conhecimento. Aproveite essas ocasiões e coloque o seu lado, o lado do evangelho, as verdades de Deus. Insista para que você possa apresentar “o contraditório” – a simples aceitação disso já revelará que há contraste, que há diferença, que há verdade e mentira, luz e trevas, salvação e perdição. Paulo fazia isso, façamos nós, também.


Solano

Notas:

[2]John Feinberg, Contemporary Theology II – Lecture 21, Institute of Theological Studies, (Grand Rapids: Outreach Inc., 1998). Aulas em fita cassette, de ensino a distância.
[7] Revista Veja, “E Depois Terceiro Mundo Somos Nós?”, por Roberto Pompeu de Toledo (No. 1637 – 23 de fevereiro de 2000) 158
[9] Diogo Mainardi – VEJA 1713 – 15.08.2001 - http://veja.abril.com.br/150801/mainardi.html , acessado em 06.06.2009.

Autor: Solano Portela
Fonte: [ O Tempora, O Mores! ]
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http://bit.ly/dlCkiY

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