Se esperamos o que não vemos... - João Calvino

Porque na esperança fomos salvos (Rm 8.24,25). Paulo confirma sua exortação por meio de outro argumento, visto que nossa salvação não pode ser separada da aparência de morte. Ele prova isto a partir da natureza da esperança. Visto que esta se estende às coisas que ainda não fazem parte de nossa experiência, e representam às nossas mentes a imagem de coisas que se acham ocultas e por demais remotas, tudo quanto salta aos olhos ou é sentido pelo contato da mão não pode ser esperado. Paulo toma por garantida a inegável verdade: enquanto vivermos neste mundo, nossa salvação reside na esperança. A nossa dedução, pois, é que ela se acha conservada na presença de Deus, muito longe de nossos sentidos. Ao dizer que a esperança que se vê não é esperança, ele usa uma expressão incisiva, porém sem obscurecer a idéia. Simplesmente deseja ensinar-nos que, embora a esperança se refira a um bom futuro e não a um bom presente, jamais está conectada a uma plena e evidente possessão. Portanto, se tais gemidos se constituem num fardo para alguns, estão necessariamente lançando por terra a ordem estabelecida por Deus, ou seja: que não chama seu povo a triunfar antes de exercitá-lo na batalha do sofrimento. Porém, visto que a Deus aprouve guardar nossa salvação encerrada em seu seio, é-nos proveitoso neste mundo lutar, sofrer opressão, aflição, gemer, chorar até à languidez como pobres moribundos. Os que buscam uma salvação visível, na verdade rejeitam-na quando renunciam a esperança; porquanto esta foi designada por Deus como guardiã da salvação.

Mas, se esperamos o que não vemos, então com paciência o aguardamos. O argumento é derivado do precedente para o conseqüente, porque da esperança se segue necessariamente a paciência. Se é penosa a ausência de um bem que tanto desejamos, desmaiaríamos de desespero caso não fôssemos sustentados e confortados pela paciência. A esperança, pois, sempre teve a paciência em sua companhia. A conclusão do apóstolo é, portanto, mui apropriada, a saber: tudo quanto o evangelho promete concernente à glória da ressurreição se desvaneceria caso não gastássemos nossa presente vida em carregar pacientemente a cruz e as tribulações. Se nossa vida é invisível, então é mister ter sempre a morte diante de nossos olhos; mas se nossa glória é invisível, então o nosso presente estado é a ignomínia. Se porventura quisermos sumariar toda esta passagem em poucas palavras, podemos organizar os argumentos de Paulo desta forma: "A salvação está guardada na esperança para todos os santos, porém aquela qualidade de esperança que se acha concentrada nos benefícios futuros estão ausentes. Portanto}, a salvação dos crentes está escondida. No momento, a esperança é sustentada somente pela paciência. É só por meio da paciência que a salvação dos crentes é consolidada."

Temos aqui, pode-se acrescentar, uma notável passagem que revela que a paciência é companheira inseparável da fé. A razão para isso é evidente, ou seja: quando somos consolados com a esperança de uma condição muito melhor, a consciência de nossas presentes misérias é suavizada e mitigada, para que as mesmas sejam enfrentadas com menos dificuldades.

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