Oração e Súplica – João Calvino

Tendo oferecido orações e súplicas (Hb 5.7). O segundo elemento que o autor menciona de Cristo é que, quando chegou o tempo, ele buscou um meio de escape para livrar-se do mal. Ele diz isso para que ninguém concluísse que Cristo possuía um espírito férreo, que nada sentisse. Devemos sempre procurar ver a razão por que algo é expresso. Se Cristo houvera sido intocável por qualquer dor, então nenhuma consolação, provinda de seus sofrimentos, nos atingiria. Mas quando ouvimos que ele igualmente suportou as mais amargas agonias em seu espírito, torna-se evidente sua semelhança conosco. Cristo, diz ele, não suportou a morte e todas ás demais tribulações, de tal sorte, como se desdenhasse delas, ou por não sentir-se oprimido por algum sentimento de angústia. Ele orou com lágrimas, dando assim testemunho da suprema angústia de seu espírito. Por lágrimas e forte clamor, a intenção do apóstolo é expressar a intensidade de sua tristeza, em consonância com o costume normal de fazer algo mediante sinais. Não tenho dúvida de que ele está falando da oração contida nos evangelhos [Mt 26.39]: Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice. E também daquela outra oração [Mt 27.46]: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? No segundo dos casos mencionados nos Evangelhos, há um forte clamor. Enquanto que no primeiro, não é possível crer que seus olhos hajam secado, visto que na imensidade de sua agonia grossas gotas de sangue emanavam de todo o seu corpo. É verdade que ele se achava reduzido a uma condição extrema. Achando-se oprimido por dores reais, deveras orava ardentemente ao Pai para que fosse socorrido.

Qual é o ponto prático de tudo isso? Consiste nisto: sempre que nossos males nos oprimem e nos torturam, retrocedamos nossa mente para o Filho de Deus que suportou o mesmo fardo. Enquanto ele marchar diante de nós, não temos motivo algum para desespero. Ao mesmo tempo, somos advertidos a não buscar nossa salvação, em tempo de angústia, em nenhum outro senão unicamente em Deus. Que melhor guia poderemos encontrar para oração além do exemplo do próprio Cristo? Ele se dirigiu diretamente ao Pai. O apóstolo nos mostra o que devemos fazer, quando diz que ele endereçou suas orações Aquele que era capaz de livrá-lo da morte. Com isso ele quer dizer que Cristo orou corretamente, visto que recorreu ao Deus que é o único Libertador. Lágrimas e clamor nos recomendam fervor e sinceridade na oração. Não devemos orar a Deus seguindo um formalismo sem vida, mas com ardentes desejos espirituais.

E tendo sido ouvido. Há quem o traduza assim: seu santo temor, do que discorda incisivamente. O apóstolo quis dizer que Cristo foi ouvido naquilo que ele temia, de modo que, não vencido por esses males, não lhes deu lugar, nem sucumbiu em face da morte. O Filho de Deus condescendeu-se a essa luta, não porque laborava sob a descrença, a fonte de todos os temores, mas porque ele suportava na carne mortal o juízo divino, o terror que não se pode vencer sem extremado esforço. Crisóstomo o interpreta como sendo a dignidade de Cristo que o Pai, de certa forma, reverenciava. Tal coisa, porém, é absurda. Outros o traduzem como piedade. Mas a exposição que já apresentei é muito mais adequada, e não necessita de alguma confirmação adicional.

Ele prossegue adicionando uma terceira cláusula, no caso de alguém concluir que, visto que ele não foi imediatamente libertado de suas tribulações, a oração de Cristo foi rejeitada. Em tempo algum foi ele privado da misericórdia e socorro divinos. E desse fato podemos deduzir que Deus com freqüência ouve nossas orações, mesmo quando não nos pareça. Assim como não é de nossa competência delinear-lhe alguma norma rígida e rápida, tampouco Deus se vê na obrigação de responder nossas petições que lhe façamos mentalmente ou expressas com nossos lábios, todavia ele demonstra ter cuidado de nossas orações em tudo o que nos é necessário para nossa salvação. E assim, quando parecer-nos que somos repelidos de diante de sua face, obteremos muito mais do que se ele nos tivesse concedido tudo quanto lhe pedimos.

De que forma foi Cristo ouvido naquilo que ele temia, quando enfrentamos aquela morte da qual ele tanto se esquivava? Minha resposta é que devemos atentar para aquilo que constituía seu temor. Por que ele tremia diante da morte, senão porque via nela a maldição divina, e o fato de que Deus era contra a soma total da culpabilidade humana, e contra os próprios poderes das trevas? Daí seu temor e ansiedade, visto que o juízo de Deus é de tudo o que mais terrifica. Então ele obteve o que desejava, uma vez que emergiu das dores da morte como Vencedor, foi sustentado pela mão salvífica do Pai, e após um breve conflito conquistou gloriosa vitória sobre Satanás, o pecado e os poderes do inferno. As vezes sucede que pedimos por isto, por aquilo, ou por alguma outra coisa, mas com um propósito bem distinto. E enquanto Deus não nos concede o que pedimos, ele encontra uma maneira de socorrer-nos.

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