A pergunta das perguntas - (Sermão) - C. H. Spurgeon

- Sermão pregado em 4 de Maio de 1890 -
- No Metropolitan Tabernacle, Newington -

"Jesus ouviu que o haviam expulsado, e, ao encontrá-lo, disse: 'Você crê no Filho do Homem'" (João 9.35).

O olho do Senhor Jesus sempre está nos seus escolhidos e conhece todas as circunstâncias que lhes acontecem. Nosso Senhor tinha feito demais por esse homem para se esquecer dele. Depois de a graça ter realizado uma grande obra, permanece a lembrança dela; conforme está escrito: "Terás anelo pela criatura que as tuas mãos fizeram" (Jó 14.15). Consolemo-nos com isso: se alguma coisa aconteceu para nos afligir, Jesus já sabe o que é e agirá de acordo.

Nosso Senhor procurou o repudiado. Sem ter recebido um pedido, Jesus abrira os olhos daquele homem; sem ter sido procurado, cuida dele na hora da aflição. Não foi fácil achá-lo; mas nosso Senhor é ótimo para procurar ovelhas perdidas, e perseverou até achar o homem que curara. Se nós, em qualquer ocasião, parecermos repudiados por Cristo, além de expulsos pelos religiosos orgulhosos, ele nos achará quando nós não conseguirmos encontrá-lo. Bendito seja o seu nome!

O objetivo de nosso Senhor era prestar um serviço de vulto a esse homem; este tinha sido expulso da sinagoga e, por isso, precisava de conforto; mas que coisa maravilhosa seria confortá-lo no sentido de levá-lo para frente e para cima na vida divina. O modo de nosso Senhor consolá-lo foi lhe fazer uma pergunta que levaria o homem a perscrutar seu próprio coração, e que sugeriria avanço espiritual. Talvez não fosse o caminho que você e eu seguiríamos; mas seus caminhos não são os nossos caminhos, nem seus pensamentos são os nossos pensamentos. A sabedoria é justificada nos seus métodos. A melhor coisa, quando um homem está em aflição de alma, é levá-lo a ver sua própria condição diante de Deus, e, em especial, examinar a sua própria fé; pois quando ele descobre que está bem na questão principal, essa certeza será para ele uma fonte de conforto. Temos certeza de que nosso Senhor empregou os meios ideais para levar esse homem a uma confiança bem fundamentada quando lhe disse: "Você crê no Filho de Deus?" Com essa pergunta, Jesus o ajudou a fazer um avanço considerável na fé; isso porque, embora o pobre homem cresse em Jesus dentro dos limites dos seus próprios conhecimentos, esses conhecimentos tinham sido parcos; mas agora estava para saber que quem lhe abrira os olhos era o Filho de Deus. É essa fé que o nosso Senhor merece, mas muitas pessoas nunca lhe dedicaram tanta fé e, por falta dela, se excluem do grande poder da sua graça. O homem foi excomungado, e assim ficou sob a condenação da igreja judaica; mas a confiança no Filho de Deus lhe livraria rapidamente de ficar alarmado por causa disso. Aquele que desfruta do favor do Filho de Deus não estremecerá diante da carranca do Sinédrio.

Que Deus console muitas pessoas, enquanto lhes faço, com insistência, esta única pergunta a cada um de vocês: "Você crê no Filho de Deus?" Aos jovens e aos velhos, aos ricos e aos pobres, dirigirei essa pergunta solene. Não é uma pergunta perplexa a respeito de um assunto obscuro, mas um pedido simples e urgente de informações, que diz respeito a todas as pessoas aqui presentes. Não se trata de um problema profundo e intricado - não diz respeito ao livre-arbítrio e à predestinação, nem ao advento pós-milenar ou pré-milenar; é uma pergunta prática, pressurosa e presente, e que diz respeito a vida de todos os dias de cada pessoa, neste exato momento. Eu gostaria que cada um de vocês pensasse que agora coloco a mão em seus ombros e olho diretamente para o seu rosto, e pergunto com sinceridade: "Você crê no Filho de Deus?" Essa não é uma pergunta da qual possa surgir uma controvérsia irada; pois tem a ver com você exclusivamente. Qualquer debate que possa haver será confinado dentro de você mesmo. Diz respeito a você, e é postulada no singular: "Você crê no Filho de Deus?" Foi o próprio Jesus quem fez essa pergunta ao homem; considere, portanto, que Jesus está fazendo essa pergunta também a você hoje, só a você, até mesmo à parte da sua esposa ou dos seus amigos.

I. Vou começar a aplicar essa pergunta, com a ajuda do Espírito Santo, ao observar que essa pergunta precisa ser feita. Não deve ser tomado por certo que você realmente crê no Filho de Deus. "Oh, sim, sou cristão", diz alguém, "nasci num país cristão, fui levado à igreja quando bebê, e fui devidamente crismado, e agora repito o credo. Essa é a comprovação suficiente da minha fé!" Ou, ainda, você pode dizer: "Minha mãe me levou à casa de reuniões antes que eu andasse e, desde então, nunca deixei os caminhos da Dissidência." Tudo isso pode ser verdade, mas está fora do propósito. "Você crê no Filho de Deus?" Trata-se de uma pergunta espiritual e vital, que não pode ser simples-mente deixada de lado. Você responde: "Meu caráter moral sempre foi correto; nos negócios, sempre cumpri todos os meus compromissos, e sempre estive pronto para ajudar todas as instituições de caridade." Fico contente em ouvir isso. Mesmo assim, essa resposta não tem a ver com o assunto agora em pauta; essa pergunta penetra mais profundamente do que a conduta exterior. Escute-a de novo: "Você crê no Filho de Deus?"

Muitas pessoas morais, amáveis, generosas, e até mesmo religiosas não creram no Filho de Deus. Você me desculpe: não posso deixar você escapar no meio da multidão, preciso pegar em você com santa veemência que até mesmo se esquece da cortesia por um momento, e devo dizer: "Você crê no Filho de Deus?"

Embora esse homem tivesse sido escrupulosamente obediente, nosso Senhor não deixou de fazer a pergunta. Pode ser que eu esteja falando com alguns que dizem: "Tenho sido, a todo tempo, obediente aos deveres da religião. Cumpri tudo quanto descobri ter sido ordenado por Deus na sua Palavra, com o maior cuidado." Não foi assim com esse homem que nasceu cego? O Salvador aplicou barro aos seus olhos e ordenou que fosse até o tanque de Siloé e lavasse os olhos, e o homem fez exatamente conforme lhe foi ordenado. Não foi até um tanque diferente, mas somente ao tanque de Siloé; e não tentou tirou o barro dos seus olhos por outro processo senão a lavagem. Foi muito obediente a Cristo; mas o Senhor lhe disse: "Você crê no Filho de Deus?" Nenhuma observância externa, no entanto, por mais cuidadosamente que seja realizada, evitará a necessidade da pergunta: "Você crê no Filho de Deus?" Lamento que alguns entre vocês não tenham sido muito cuidadosos no cumprimento das ordenanças exteriores e, por isso, são culpáveis; mas mesmo se vocês tivessem sido escrupulosamente diligentes, nenhuma observância, por mais cuidadosamente que fosse realizada, pode isentar você da pergunta: "Você crê no Filho de Deus?"

Esse homem, além do mais, passara por uma experiência muito notável. Podia dizer: "Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo!" Nunca poderia se esquecer daquela noite prolongada que passara como criança, como moço e como homem. Durante todos aqueles anos, nenhum raio de luz chegara a alegrá-lo; para ele, a noite e o dia eram bastante semelhantes; ele ficara sentado na profunda pobreza durante todo aquele período enfadonho de trevas, e não aprendeu nenhuma arte senão a da mendicância. Quando a água refrescante tocou em seus olhos e tirou por meio da lavagem o barro, a luz do sol veio raiando na meia-noite vitalícia; e ele recuperou a vista. Apesar de ter passado por tamanha transformação, o Salvador lhe perguntou: "Você crê no Filho de Deus?" Da mesma forma, meus caro leitor, você pode ter passado a ser um homem muito diferente, sem, porém, ser crente no Filho de Deus. Você, minha cara irmã, talvez seja uma mulher bem diferente do que era antes; e quando contar a sua experiência, talvez seja muito notável, e muito digna de ser registrada num livro; no entanto, essa pergunta deve ser feita a você com insistência! Seja qual for a sua experiência, não se esqueça de se examinar. Não diga: "Nunca preciso questionar a mim mesma; a experiência que já tive determina de imediato a minha posição. Não sou tão infantil a ponto de me examinar por dentro, ou de ter alguma dúvida a respeito da minha fé. Um caso tão notável como o meu está acima de toda suspeita." Não fale assim; pois se o Senhor, que sabia da mudança feita nesse homem, ainda lhe perguntou: "Você crê no Filho de Deus?", eu também preciso tomar a liberdade de aplicar com insistência, mesmo na pessoa mais notável que aqui esteja, a mesma pergunta pessoal: "Você crê no Filho de Deus?"

Esse homem, além de ter recebido sua vista física, exercera certo grau de fé no Senhor Jesus. Se vocês seguirem o capítulo inteiro, verão que o homem possuía algum tipo de fé em Cristo enquanto era cego, do contrário, não teria ido a Siloé para remover o barro por lavagem. E quando passou a ver, não duvidou que Jesus realmente o curara, e reconheceu o fato. Disse, ainda: "Ele é profeta." Foi muito além, quando disse: "Se esse homem não fosse de Deus, não poderia fazer coisa alguma." Acreditara dentro dos limites que sua iluminação o ajudara a crer; de modo que havia nele os germes da fé. No entanto, nosso Senhor Jesus Cristo insistia em lhe fazer a pergunta: "Você crê no Filho de Deus?" Amados amigos, vocês também talvez nunca tenham sido perturbados pelo ceticismo; é possível que nem sequer tenham examinado as bases da sua fé, porque vocês nunca foram tentados a suspeitar delas. Vocês assimilaram o evangelho como a clara verdade, desde a sua juventude, e assim creram nele, sem se sentirem muito perplexos. Senão, que o Senhor ajude você a dar esse passo para cima; isso porque, sem o ter dado, você não recebeu o verdadeiro Cristo de Deus. É de bem pouco proveito dizer: "Oh, sim, creio em Cristo, o mais nobre dos exemplos; creio em Cristo, o mais instrutivo dos profetas"; você crê nele, também, como o Sacrifício, como o Sacerdote, o Salvador, a Salvação? E, reunindo tudo numa só pergunta, você crê nele como o Filho de Deus? Você crê no Filho de Deus, conforme é revelado nas Sagradas Escrituras?

Além disso, esse homem falara com bravura em favor de Cristo, conforme vocês perceberam no capítulo que acabamos de ler. "Falou abertamente como um troiano", disse alguém. Digamos, melhor, "como um espartano." Ele era esperto, sagaz, ríspido e irretorquível. Os doutores eruditos não eram nada comparados ao mendigo cego cujos olhos tinham sido abertos. Falou em favor do homem que lhe dera a vista e não deixou que nenhuma acusação contra ele ficasse sem resposta. Suas declarações eram breves, porém plenas; e suas respostas eram irretorquíveis. Quem teria imaginado que um mendigo cego tivesse desenvolvido um argumento tão lógico como ele apresentou? Mesmo assim, a esse confessor corajoso, o Salvador precisou perguntar: "Você crê no Filho de Deus?" Ah, meu amigo! Como pregador, talvez você possa declarar o evangelho com muita clareza aos outros, e você pode reforçá-lo com argumentos poderosos; no entanto: "Você crê no Filho de Deus?" Mesmo no seu caso, essa pergunta precisa ser aplicada. Alguns entre vocês talvez se lembrem de uma história que é contada em um dos livros de Krummacher. Eu não sei se me lembro bem dela, mas seu teor era mais ou menos o seguinte. O pregador tinha feito um sermão bastante solene, e recebeu a visita, na segunda-feira seguinte, de um dos seus ouvintes, que disse: "Senhor, se o que nos disse no domingo for verdade, o que será de nós?" Pois bem, se ele tivesse dito: "O que será de mim?", o pregador lhe teria explicado ainda mais o evangelho, da maneira usual. No caso, o pregador descartou a palavra "nós"; mas o visitante, quase inconscientemente, disse: "Ai de nós, caro senhor! Se essas coisas forem assim, o que faremos?" O Senhor lançou mão daquele pronome no plural para despertar o pregador, que não tinha sido convertido, apesar de pensar que tivesse sido. Quem dera que nós, que falamos em nome de Deus, deixássemos o Senhor falar conosco! Conheço certo pregador bondoso, a quem amo muito, que, enquanto ele mesmo estava pregando, conforme fizera durante anos, foi salvo mediante a aplicação pessoal do seu próprio sermão. É ministro da Igreja da Inglaterra, mas não conhecia o Senhor. Enquanto estava pregando, o Senhor aplicou poderosamente ao seu coração uma verdade do evangelho, e, com tamanho efeito, que passou a falar com os tons de convicção que é natural para o homem renovado. Finalmente um metodista que estava na igreja gritou: "O pastor se converteu; aleluia!", e todas as pessoas presentes irromperam em exclamações de louvor. O próprio pregador participou do regozijo universal, e juntos cantaram: "Louvai a Deus, manancial de todas as bênçãos!" Oh, que grande misericórdia quando o próprio garçom que serve na festa do Senhor também é alimentado! Aqueles que levam o bálsamo da cura aos doentes não devem também ser curados? Não tive vergonha de falar em nome do meu Senhor, nem enrubesci ao defender a sua causa diante dos seus inimigos; mesmo assim, é bom lembrar que eu poderia ter feito tudo isso, e ainda não conhecer o Rei de quem fui arauto. Oh, amigos, como seria terrível depois de termos expulsados demônios em nome do Rei ainda sermos desconhecidos por ele! É por isso que insistimos na pergunta: "Você crê no Filho de Deus?"

Esse homem ainda fora mais longe; pois sofrera por amor a Cristo. Foi expulso da sinagoga por ter dado testemunho do poder de Jesus; mas, a despeito de tudo isso, ainda precisava ouvir a pergunta: "Você crê?" Sim, você, caro amigo, pode ter sido objeto de risadas da parte dos seus parentes, por causa da sua religiosidade; talvez você tenha se sentido obrigado a deixar um bom emprego por causa da sua resolução de se manter honesto, temperante e puro; neste momento, é possível que você esteja sujeito ao anátema de uma igreja com coração frio, por ter sido mais zeloso do que era desejado; mas, por mais que eu aprecie a sua fidelidade, você deve me dar licença para, em nome do Senhor, pegar você pelos colarinhos e dizer, da maneira que Cristo disse àquele homem: "Você crê no Filho de Deus?" Uma coisa é desempenharmos o papel de herói diante do nosso próximo, outra coisa é sermos leais na câmara secreta da nossa própria alma. Você é corajoso na sua confissão, mas você realmente crê no Senhor Jesus? Aquela confissão corajosa é confirmada pelo modo de você viver? Espero que não seja Defensor da Fé da mesma maneira que Henrique VIII, que ostentava o título, mas que não o merecia. Venhamos, meu amigo eloquente, você vive à altura daquilo do que você fala? Você sente, pessoalmente, aquilo que gostaria de me levar a sentir? "Você crê no filho de Deus?"

Vocês vão notar, caros amigos, pelo jeito de eu falar, que não estou disposto a deixar nenhuma pessoa escapar dessa pergunta pessoal. Meu amigo venerável, que é um oficial da igreja durante mais tempo do que qualquer outro, não se recusará a se fazer esta pergunta. Minha amada irmã em Cristo, que tem dirigido classes de estudos bíblicos durante anos, e aquela outra que tem sido tão útil nas escolas - nenhuma destas se recusará a responder a essa pergunta: "Você crê no filho de Deus?" Preciso ousar fazer a pergunta àquele ministro ali. Meu pai em Cristo, de quem nem sou digno de desamarrar os cadarços dos seus sapatos, devo até mesmo perguntar a você, assim como pergunto a mim mesmo: "Você, pessoalmente, e com toda a sinceridade, crê no Filho de Deus?"

Esta pergunta precisa ser postulada e aplicada a todas as pessoas, porque hoje há muitas pessoas que não crêem no Filho de Deus. Existem muitas pessoas por aí que ficariam bastante ofendidas se lhes negássemos seu direito ao nome de cristão, mas que, mesmo assim, não conhecem "o Filho de Deus." Essa gente admira um homem que possa confeccionar um sermão para demonstrar que possam ser cristãos sem crerem em Jesus como Deus. Eu não pregaria um sermão assim, a não ser depois de ter perdido todo o juízo; mas insistirei em fazer, diante dessa era de incredulidade, essa pergunta vital: "Você crê no Filho de Deus?" Homem, se você não crer assim, a sua fé fica aquém daquela que Jesus quer que você possua, e você deve tomar cuidado para ela não ficar aquém de levá-lo ao céu. Com um Salvador que é menos do que divino, você tem uma religião menos que salvífica. Qual é a sua situação? Você quer crer somente no Filho de Deus, ou andar solto na vã multidão, que nele não enxerga mais do que um mero homem?

Acho que todas pessoas dirão: "Caro senhor, não precisa pedir desculpas por fazer essa pergunta, porque é a que devemos perguntar a nós mesmos." Realmente, sei que é assim. Quem existe que vive de modo tão puro que nunca precisa examinar essa questão? Já ouvimos pessoas reclamarem contra o hino:

É questão que anseio por saber,
Frequentemente pensamentos
ansiosos compreender:
Eu amo ao Senhor, ou não?
Sou dele, ou não?

Mas se um homem nunca tiver um pensamento ansioso a respeito do seu estado, eu mesmo teria muitos pensamentos ansiosos a respeito dele. Um dos nossos poetas declarou, com muita razão:
Aquele que nunca duvidou
da sua situação
Talvez duvide tarde
demais sem reversão.

Existem tantos fatos relativos a todos nós, a respeito dos quais precisamos nos lastimar, e estes nos levam a fazer as perguntas: "A minha fé é a fé que opera pelo amor e que purifica a alma? Realmente creio no Filho de Deus?" Há ocasiões em que nos regozijamos na absoluta certeza da nossa fé em Cristo, e o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus; mas em outros períodos ficamos sobrecarregados com grandes perscrutações de coração, e nenhuma pergunta nos provoca mais angústia do que esta: "Creio no Filho de Deus?" Ai de nós se, depois de toda a nossa profissão de fé, nossa experiência e nosso esforço, acabássemos tendo, afinal de contas, nada mais do que a fé nominal, e a noção da fé, mas seríamos achados destituídos da vida dessa fé em nossa alma. Sim, a pergunta em nosso texto é uma questão que precisa ser levantada.

II. Mas, em segundo lugar, a pergunta pode ser respondida. Tenho certeza de que pode ser respondida, senão o nosso Senhor não teria perguntado; isso porque nunca foi tão irreal que andasse pelo mundo fazendo às pessoas perguntas a respeito de si mesmas que elas não soubessem responder. "Você crê no Filho de Deus?" é uma pergunta que você pode responder se quiser: "Sim" ou "Não." Quero insistir para que vocês adotem uma atuação positiva a respeito.

Seria, de fato, muito lastimável se não fosse possível responder a essa pergunta. Suponhamos que fôssemos condenados a viver num estado de dúvida perpétua quanto a sermos crentes no Senhor Jesus. Isso envolveria uma pessoa em condição de ansiedade constante durante todas as horas que passasse acordada. Se eu não tenho certeza de estar a favor de Deus, ou não, estou numa condição de tristeza sem alívio. Lembro-me de ter ouvido um ministro cristão dizer, certo dia, abertamente, que ninguém poderia ter certeza de ser salvo. Então, fiquei imaginando o que ele teria para pregar que valesse a pena pregar; isso porque, se não podemos saber que somos salvos, não podemos, tampouco, ter certeza de estarmos em paz com Deus; e assim, viveríamos em perigo a cada hora. Não pode haver paz na mente de uma pessoa acordada se ela não souber que está salva. É semelhante o que acontece com o marinheiro em alto-mar, que receia que seu navio esteja fora da rota, e pode a qualquer momento ser lançado contra as rochas ou as areias movediças, mas que não tem certeza se a situação é esta ou não. O capitão não deve sentir sossego antes de verificar a sua posição diante dos perigos do mar e da esperança de alcançar o porto desejado. Deixar que a sua posição se tornasse uma questão disputável seria continuar com medo e ser refém do perigo. Deixar em questão a sua fé é correr perigo numa questão vital. Quem deixar de examinar essa articulação da condição da sua alma, por certo está com sua consciência lastimavelmente cauterizada.

Existe a possibilidade de saber com certeza que você crê no Filho de Deus. Falei que existe a possibilidade? Milhares de pessoas já atingiram essa certeza. Você pode saber que crê no Filho de Deus com tanta certeza quanto você sabe que há uma rainha na Inglaterra, ou tão seguramente quanto sabe que você mesmo existe, e isso sem cair no fanatismo ou na presunção. Muitos entre nós estamos tão habituados à fé em Senhor Jesus, que poderíamos disputar o fato da fé em nosso próprio coração, do que disputaríamos o fato de nosso próprio coração físico estar batendo. Pessoas que têm essa segurança não se esquivam de nenhum exame; para elas, quanto mais exame, melhor, pois sua esperança tem fundamentos firmes e profundos. Consegue apresentar a razão da esperança que está nelas. A confiança que o crente tem no Senhor Jesus é tão firme quanto a certeza matemática; pois sabemos em quem temos crido, e estamos convictos de que ele é poderoso para guardar aquilo que entregamos aos seus cuidados. Existem crentes em nosso Senhor Jesus que passaram um período de trinta anos sem sentirem dúvidas da sua fé nele, e isso porque aquela fé tem sido exercida nele diariamente, e com muita felicidade. Você pode responder à pergunta: "Você crê?", porque você, neste momento, está crendo; crendo de modo distintivo e intenso. Aqueles que permanecem na luz da face de Deus, e sentem o Espírito Santo dentro deles, não têm a mínima dúvida quanto a possuírem fé. Se sentirmos amor ardente a Deus, ódio crescente ao pecado, se estivermos numa luta contra o mal que há no mundo, e se possuirmos algo da semelhança a Cristo, podemos inferir com segurança que esses frutos da fé provêm da raiz da fé. Por termos a obra do Espírito Santo existente em nossa vida e em nosso coração, sabemos, e temos certeza, que cremos em Jesus como o Filho de Deus. Espero que esteja falando, com muitos que estão desfrutando da segurança da fé e que sabem que passaram da morte para a vida.

Com alguns, é questão de estar consciente. Como sei que vivo, respiro, fico em pé e ando? Não posso explicar como chego à certeza nessa questão, mas tenho certeza total de que vivo e respiro, e assim por diante. Até mesmo a capacidade de questionar o fato subentende essa vida. Portanto, o crente pode ter a certeza de que Jesus é o Filho de Deus; e embora talvez não possa apresentar comprovação lógica, pode estar não menos consciente, na sua própria alma, de que é assim mesmo; e está correto na sua certeza, porque até a própria capacidade de sentir ansiedade pela graça, já é evidência da graça. Se houver qualquer questionamento no tocante a você ter sido crente, ou não, durante esses últimos vinte anos, não relute contra esse questionamento; mas comece imediatamente a crer com a ajuda de Deus. Volte seus olhos para a cruz, confie-se totalmente aos cuidados de Jesus a partir dessa hora propícia, e então você crerá, e essa atitude fará brilhar sua própria comprovação. Diga, de todo o coração:

Assim como estou, sem ter que dizer,
Senão que por mim vieste a morrer
E me convidaste a Ti recorrer,
Bendito Jesus, me chego a Ti
com todo meu ser! (S.H. 318)

Vindo dessa forma, você saberá que veio, e por continuar a vir você, você crescerá na certeza de realmente ter vindo. Que o Espírito Santo acenda o fogo sagrado, e você sentirá a chama sem demora. Dizer: "Creio agora no Filho de Deus" é a melhor maneira de responder à pergunta à respeito da sua condição.

Se você precisar de mais ajuda para solucionar a questão, existem marcas e evidências da fé verdadeira mediante as quais você pode facilmente testar a si mesmo. Você pergunta: "Creio no Filho de Deus?", então, responda: Cristo é precioso para você? Para vocês, que crêem, ele é precioso. Se você o amar e prezar como o que existe de mais precioso na Terra ou no céu, você não poderia ter esse conceito dele se você não fosse crente. Diga-me novamente: você passou pela transformação chamada de novo nascimento? Você passou por um processo que pode ser descrito como ter sido trazido das trevas para a gloriosa luz? Nesse caso, o seu novo nascimento é evidência certa da fé, porque essas coisas se complementam mutuamente: ao passo que a fé é comprovação da regeneração, a regeneração também é comprovação de que você tem fé no Filho de Deus.

Além disso, você é obediente a Cristo? A fé, pois, opera pelo amor e purifica a alma. É assim com você? Para você, o pecado se tornou amargo? É repugnante para você? A santidade se tornou doce? Você a procura? Não pergunto se você é perfeito, mas se a sua alma tende à perfeição? Você pode dizer que, se pudesse viver inteiramente sem o pecado, seria o melhor deleite que poderia ter? Que a perfeição absoluta seria céu para você? Ah! Então, isso revela a tendência da sua mente; demonstra que existe em você uma mudança de natureza, uma vez que nenhum coração não renovado anseia pela santidade perfeita. Seu coração tende ao governo e à soberania perfeitos de Cristo, e tenho certeza de que você acreditou ser ele o Filho de Deus. Você está repousando nele com fé verdadeira e viva se você tomar a sua cruz com boa vontade e seguir a ele. Além disso, você ama a Deus? Você ama a seu povo?

"Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos." Você ama a sua Palavra? Você se deleita em adorá-lo? Você se curva, paciente, diante da sua disciplina, de modo que toma o amargo cálice, dizendo: "Seja feita a tua vontade?" Essas coisas comprovam que você tem fé em Jesus. Preste bem atenção a elas.

Mas, suponhamos que, depois de você ter feito todas essas perguntas e testes, continue dizendo: "Senhor, essa é uma questão séria e exige muitos cuidados. Ainda não a dirimi." Nesse caso, siga os métodos desse homem que era cego. Quando Jesus lhe perguntou, "Você crê no Filho de Deus?", ele se voltou para o Senhor e respondeu na forma de outra pergunta, dirigida ao Senhor Jesus. Nós podemos recorrer a Jesus, pedindo socorro. O homem que fora cego perguntou, animado: "Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia?" Você que busca o Senhor, volte-se para ele na hora da aflição e exclame: "Senhor Jesus, rogo-te que me ensines a conhecer-te melhor, a fim de eu ter mais fé em ti." Vá a Jesus para buscar fé em Jesus.

Além disso, existem determinadas grandes verdades das quais a fé se alimenta, e, para ter certeza que você tem fé, é melhor você pensar nessas verdades. Que o Senhor se agrade especialmente em revelar-se a você, a fim de que o conheça, e assim, creia nele! Ó alma, você não ficará muito tempo na dúvida se perceber as coisas gloriosas que dizem respeito ao seu Senhor! Saiba quem ele é, e o que ele é, e aquilo que ele tem feito, e isso capacitará você a crer nele como o Filho de Deus. Assim como os homens costumavam dizer, ao serem duramente pressionados pelos tribunais: "Apelo a César", faça você o seu apelo ao próprio Cristo e tenha a firme segurança de que nele você achará o livramento. Mesmo que a sua fé esteja oculta de você, não está escondida dele; e se você não conseguir fazê-la aparecer por meio dos pensamentos da obra da graça dentro de você, volte sua mente em direção ao seu Salvador e Cabeça da Aliança no céu, e a fé desabrochará assim como os cálices das flores desabrocham diante do sol. Há possibilidade de responder à pergunta.

III. Em terceiro lugar, a pergunta deve ser respondida e deve ser respondida imediatamente. Se eu pudesse, faria com que você concentrasse todos os seus pensamentos nesta única investigação, que para cada homem é vital ao seu próprio eu: "Você crê no Filho de Deus?" Responda a essa pergunta a partir da sua própria alma. Não sou nenhum pai confessor; cada um seja pai confessor de si mesmo. Que cada um dê seu veredicto diante do tribunal da sua consciência. Responda, também, como quem está na presença Cristo; isso porque, assim como o homem na narrativa, você está na sua presença agora. Responda por conta própria diante do Deus que perscruta o coração e a mente. Responda também aos homens, pois seu Salvador merece isso de sua parte. Não sinta vergonha de dizer abertamente: "Eu creio no Filho de Deus." Esse fato não deve ser deixado escondido num cantinho. Lembre-se como nosso Senhor, nas Sagradas Escrituras, sempre coloca a confissão aberta, lado a lado com a fé, como parte do plano da salvação. Você nunca encontrará em qualquer parte da Palavra de Deus "Quem crer e tomar a ceia do Senhor será salvo", mas encontrará "Quem crer e for batizado será salvo". Por que o batismo ocupa uma posição de tanto destaque? Em parte, porque é a forma ordenada da confissão aberta da fé no Senhor Jesus Cristo. Essa passagem forma um paralelo com aquela outra: "Pois com o coração se crê para justiça, e com a boca se confessa para salvação" (Rm 10.10). O que Cristo pode esperar, menos do que uma declaração aberta de fé nele, se houver mesmo fé? Você vai oferecer uma fé covarde àquele que redimiu você? Uma fé muda àquele que intercede por você? Uma fé que não ousa olhar o próximo na cara àquele que abriu os seus olhos? Não, não; fale, e fale abertamente, e deixe o mundo saber que aquele que morreu no Calvário é para você (mesmo que não seja para outra pessoa) o Filho de Deus. Essa questão deve ser respondida; respondida diante dos homens, e respondida imediatamente. Não demore, mas se apresse para guardar o mandamento do seu Senhor.

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