A natureza boa e a firmeza - C. H. Spurgeon

Não sejam totalmente doces, ou o mundo sugará vocês; mas também não sejam totalmente azedos, ou o mundo não respeitará vocês. Há um meio termo em todas as coisas, apenas os teimosos adotam os extremos. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Não precisamos bajular todo mundo como os cachorros tolos que abanam o rabo para todos, nem agredir todo mundo como mastins ferozes. Brancos e negros caminham juntos construindo o mundo. Por isso, do ponto de vista do temperamento, temos que nos relacionar com todos os tipos de pessoas. Algumas pessoas são tão dóceis como um sapato velho, mas dificilmente um pé vale mais que o outro; outras se inflamam mais depressa do que uma isca, diante da menor ofensa, e são tão perigosas como pólvora. Ter um companheiro para andar de lá para cá pela fazenda, hostil com todos como um urso que não sabe perder, de temperamento tão azedo como leite estragado, tão agressivo como o fio de uma navalha, com uma aparência tão mal humorada quanto à de um cão carniceiro é um grande aborrecimento, mesmo que tenha aspectos bons. Mas coitado do generoso Tommy, tão ingênuo, sempre pronto a se curvar como um bambu, não tem valor para ninguém e é alvo do desprezo de todos. Um homem deve ter caráter, senão como pode manter a cabeça erguida? Mas esse caráter deve se curvar, ou ele encontra muitas dificuldades. Existem momentos em que devemos fazer como os outros querem, mas também o de se recusar a fazer isso. Se nos fizermos de burros, todos montam em nós, mas se nos fazemos respeitar, somos donos de nós mesmos e não deixamos os outros colocarem sela em nós como acham que podem fazer. Se tentamos agradar a todos, somos como um sapo preso em uma grade e nunca temos paz, e se somos lacaios para todos nossos vizinhos, bons ou maus, não temos o agradecimento de nenhum deles, pois logo causamos tanto o mal quanto o bem. O que se faz de ovelha descobre que os lobos não estão todos mortos. O que fica deitado no chão pode ter certeza que será pisado. O que faz de si mesmo um rato come as iscas Se vocês permitem que seus vizinhos levem seu bezerro nas costas, eles o farão e logo abaterão sua vaca. Nós devemos agradar nossos vizinhos pelo seu bom aperfeiçoamento moral, mas, isso é um assunto completamente diferente. Há raposas velhas cujas bocas estão sempre salivando em busca de gansos jovens, e se elas conseguem persuadi-los a fazer exatamente o que querem, logo os põem à venda. Os amigos o considerarão um ótimo companheiro se fizer o papel do cavalo que faz trabalhos comunitários, logo o meterão em confusão!

Além da confusão, vocês terá de conseguir tudo sozinho, pois, seus amigos, com certeza, dirão a você: "Adeus cesto, já carreguei todas as minhas maçãs", ou lhe desejarão os melhores votos e nada mais, e você descobre que palavras amáveis são apenas bajulação, não enchem a barriga de ninguém. Os que fazem muito caso de vocês não pretendem nem enganar nem precisar de vocês, quando sugam a laranja, jogam a casca fora. Por isso, sejam sábios e olhem antes de pular, a fim de que o conselho de um amigo não cause mais desordem que a difamação de um inimigo. "O inexperiente acredita em qualquer coisa, mas o homem prudente vê bem onde pisa". Sigam com seu vizinho até onde o bom senso estiver com vocês, mas se separem a partir do momento em que o sapato da consciência começar a apertar seus pés. Comece com seu amigo do mesmo modo que pretende continuar e, desde o início, faça-o saber que você não é um homem feito de massa, mas alguém que tem opinião sobre si mesmo e pretende usá-la. Pare no momento em que descobrir que está fora da estrada e pegue imediatamente o atalho de volta mais próximo. A forma de evitar grandes erros é cuidar dos pequenos. Portanto, pare a tempo se não quiser que seu amigo o leve para o fosso. É melhor ofender seu conhecido que perder seu caráter e arriscar sua alma. Não se envergonhe de descer a pé a Turnagain Lane. Nunca se preocupe em ser chamado de vira-casaca quando se desviar de caminhos negativos; é melhor virar a tempo que queimar na eternidade. Não se deixe persuadir a arruinar a si mesmo – desprezar a si mesmo para agradar os companheiros é desperdiçar dinheiro com algo que não vale a pena. Olhe sempre onde pisa e não permita que ninguém o afaste do caminho certo. Aprenda a dizer "Não", pois isso é mais útil para você que aprender latim.

Com freqüência, aquele que é amigo de todos não é amigo de ninguém, ou pior, em sua simplicidade, ele rouba a família para ajudar estranhos e se torna irmão de indigentes. Há sabedoria na generosidade, como em tudo mais, alguns precisam ir à escola para aprender isso. Uma pessoa bondosa pode ser muito cruel com os próprios filhos quando tira o pão da boca deles para dá-lo aos que o chamam de companheiro generoso, mas que riem da sua insensatez. Com muita freqüência, quem empresta dinheiro, perde tanto os amigos como o dinheiro. E o que é fiador nunca está seguro. Aproveite os conselhos de João Lavrador, e nunca seja fiador de mais do que você está realmente disposto a perder. Lembre-se a palavra de Deus diz: "Quem serve de fiador certamente sofrerá, mas quem se nega a fazê-lo está seguro".

Quando somos ofendidos, como cristãos, somos compelidos a suportar isso sem maldade, mas não temos a pretensão de não sentir, pois isso não faria nada além de encorajar nossos inimigos a nos chutarem de novo. O que é enganado duas vezes pelo mesmo homem é quase tão mau quanto o trapaceiro; e é muito pior em outras ofensas. A não ser que reivindiquemos nossos direitos, nós mesmos nos culparemos se não os conseguirmos. Paulo estava disposto a suportar açoites pelo seu Mestre, mas, ele não se esqueceu de dizer aos juízes que era romano; e quando aqueles homens quiseram tirá-lo da prisão secretamente, ele disse: "Não! Venham eles mesmos e nos libertem". O cristão é o mais nobre dos homens, mas mesmo assim é um homem. Para uma boa parte de pessoas não é preciso se dizer isso, pois se vê que há possibilidade de alguém prejudicá-la, cuida disso em instantes. Muito antes de saber se há um ladrão, no pátio da fazenda ou se foi a velha égua que se perdeu, já está a postos na janela a fim de despachar o desajeitado no mesmo instante. Esses vizinhos são perigosos; é mais fácil um homem escapar dos chifres de um touro que encontrar conforto em uma vizinhança assim.

Não faça amizade com um homem irado e não acompanhe um homem furioso. "O homem paciente dá prova de grande entendimento, mas o precipitado revela insensatez".Você já viu um homem precipitado nas palavras? Há mais esperança em um tolo que nele.

No meu tempo conheci poucos homens totalmente obstinados que nem o sentimento nem a razão tiveram condição de mudar. Em nossa aldeia há um desses homens estranhos, ele tem um buldogue e disse-me que quando o animal morde alguma coisa de repente, ele não a larga mais, e se você quiser tirar o que for de sua boca tem de cortar fora sua cabeça. Foi um homem desse tipo que me amofinou muitas vezes e quase me deixou louco. Seria mais fácil argumentar com um forcado em uma debulhadora ou persuadir um pedaço de tijolo a se transformar em mármore do que incutir bom senso naquele homem. Tirar as manchas do leopardo não é nada comparado a tentar conduzir um homem completamente obstinado. Certo ou errado, é mais fácil fazer uma montanha caminhar até Londres que fazer com que ele mude de idéia se estiver decidido. É uma coisa maravilhosa quando um homem mantém-se firme ao seu texto (nosso ministro diz: "Esse é o material de que são feitos os mártires"), mas quando ele é ignorante, os desatinados introduzem esse grão duro nele, e ele transforma em mártires os que têm de caminhar com ele. O velho Senhor Cabeça de Porco, como não conseguiu vender seu milho pelo preço que queria, deixou os ratos devorarem montes dele e jurou que pregaria com força um prego na casca de um carvalho com o próprio punho a fim de danificar a mão para o resto da vida. É impossível cavalgar pelos seus campos sem perceber sua obstinação, pois ele prometeu solenemente "que não adotaria nenhuma dessas idéias modernas" e como resultado disso teve a pior colheita da região. O pior de tudo é que, em um acesso de raiva, expulsou a filha de casa, porque ela se juntou aos metodistas. Acredito que ele se arrependeu muito disso, mas não cedeu em um centímetro em relação ao assunto e continua dizendo que nunca mais falará com ela enquanto viver. Entretanto, a pobre garota está morta de tristeza por causa dessa grosseria. Promessas precipitadas são mais fáceis de serem quebradas do que mantidas. O que nunca muda, nunca melhora; o que nunca grita, nunca conquista.

Com os filhos, vocês precisam misturar gentileza com firmeza, elas não podem sempre fazer tudo do jeito deles, mas também não podem sempre ser contrariados. Alimente o porco quando ele grunhe, e à criança quando ela chora, e você terá um porco dócil e uma criança mimada. O homem que está aprendendo a tocar trombeta e uma criança mimada são duas companhias muito desagradáveis, mesmo como vizinhos próximos; mas a não ser que cuidemos bem disso, nossos filhos serão um aborrecimento para os outros e um tormento para nós mesmos. "A vara da correção dá sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe".Se não nos dermos ao trabalho de repreender nossos filhos, teremos muitas dores de cabeça quando crescerem. A absoluta coerência deve regular todos os nossos procedimentos com os jovens; sempre nosso sim deve ser sim, e o nosso não, não. Nunca prometa um doce ou uma surra a uma criança e deixe de cumprir. Faça-se obedecer a qualquer preço – crianças desobedientes são infelizes, por amor a elas faça com que prestem atenção em você. Se você ceder em sua autoridade uma vez, dificilmente a recupera, pois seu A pode significar B, e assim por diante. Não devemos provocar a raiva de nossas crianças para que não se desencorajem; mas devemos dirigir nosso lar no temor a Deus e seremos abençoados ao fazer isso.

Desde que João Lavrador começou a escrever, ele teve a excelente oportunidade de mostrar sua firmeza e gentileza, pois recebeu uma enorme quantidade de conselhos pelos quais, como diz a esposa do fazendeiro, ele apresenta seus cumprimentos. Para mostrar sua gratidão, ele não se importa em devolver um conselho que recebeu, em vez de dar um dos seus; pois está certo de que é muita gentileza de algumas pessoas dizerem-lhe, de s diversas formas, como fazer de si mesmo um idiota. Ele pretende juntar aos poucos tantas sugestões quantas puder dos restolhos de seus inúmeros amigos, enquanto procura o estilo que se ajusta melhor a ele, e, se possível, essas sugestões o deixarão um pouco mais em contato consigo mesmo. Talvez se o ministro lhe emprestasse Cowper ou Milton, ele pudesse até dar um toque de poesia em seu ramalhete para ficar tão belo como as flores de maio. Mas ele não pode prometer, pois a colheita apenas começou e não há tempo para rimas em meio à colheita. O pior de tudo é que esses amigos, que corrigem João, contradizem uns aos outros; um diz que o assunto é muito insignificante, o estilo não é simplório o suficiente para um lavrador, todos se manifestam com nome fictício; outro diz que a matéria está muito boa, mas as expressões são tão grosseiras que seria surpreendente o editor pô-las em uma revista. João pretende dar aos seus conselheiros toda a atenção que eles merecem; e da mesma forma que os ratos que tiveram coragem suficiente para fazer um ninho no focinho do gato, ele pretende ir atrás deles e, em resposta às instruções deles, escrever conselhos gratuitos minuciosos em um papel, conselhos esses que provavelmente os deixarão com a pulga atrás da orelha.


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